É absurdo que estejamos considerando uma migração em massa de bilhões de pessoas. É absurdo que continuemos a aquecer o planeta, mesmo sabendo das consequências. Depois de uma carreira dedicada a pesquisar, escrever e falar sobre as mudanças climáticas e seus impactos, mal consigo acreditar que ainda estejamos nessa situação. E, no entanto, aqui estamos. Minha filha me perguntou, com a racionalidade fria de uma criança de seis anos: “Por que não paramos de queimar combustíveis fósseis de uma vez?”. “Não é tão simples assim, querida”, respondo, meio impaciente.

Na verdade, é bem simples. Conhecemos a ciência, temos a tecnologia. Seria muito caro no curto prazo, mas temos recursos e os gastamos livremente em outras coisas. Complicamos a questão. Estamos enredados em uma teia socio-política-econômica, uma armadilha, um artifício que inventamos e está nos colocando em um perigo tão extremo que agora nos encontramos na posição absurda de salvar a humanidade por meio do êxodo de populações inteiras, que deverão sair dos lugares onde viveram por milhares de anos. A migração é inevitável, muitas vezes necessária, e precisa ser facilitada.

Embora a escala e a extensão do que estamos enfrentando neste século sejam únicas, passamos por outras crises nas últimas centenas de milhares de anos. Sobrevivemos a elas migrando. A migração não é o problema, é a solução – sempre foi. Como veremos, a migração é o truque mais antigo de sobrevivência.

Uma grande convulsão se aproxima. Ela transformará a humanidade e o planeta. No Sul Global, mudanças climáticas extremas forçarão uma parcela considerável da população a abandonar suas casas, e regiões inteiras se tornarão inabitáveis. Já os países do Hemisfério Norte, com temperaturas mais amenas, enfrentarão dificuldades para lidar com alterações demográficas, em função da escassez de mão de obra e de uma população mais envelhecida e empobrecida. Nos próximos cinquenta anos, temperaturas mais elevadas combinadas com níveis crescentes de umidade deverão tornar letais regiões imensas do planeta, onde vivem atualmente 3,5 bilhões de pessoas.